domingo, 13 de maio de 2018

O sonho de Isabel

Isabel era  uma moça
Que morava em Campina
Ela tinha um lindo sonho
Desde muito pequenina

E seu sonho era estudar
E vir um dia a escrever
Muitos livros e poesias
Para todo mundo ler

Ela estudou o primário
No lugar onde vivia
Mas fazer o secundário
Colégio ali não havia

Quanto mais a Faculdade
Era uma grande ilusão
Jamais ela poderia
Completar a educação

Sua mãe não consentia
Que fosse pra outro lugar
E morar lá na cidade
Onde pudesse estudar

O seu padrasto também
Pouco ligava pra ela
O que ele queria mesmo
Era o trabalho dela

E a pobre da mocinha
Ia cedo trabalhar
Trazia as vacas do campo
Para poder ordenhar

Levava um cesto de milho
Pra dentro do mangueirão
Pois era a hora dos porcos
Comerem a sua ração

Depois eram as galinhas
Que precisavam comer
Ia para o galinheiro
Para os ovos recolher

Em seguida cuidava da casa
Lavava roupa e cosia
Capinava o quintal
Até que a noite descia

E no tempo do plantio
Iam todos pro roçado
Para empilhar as coivaras
Até ficarem cansados

E depois da terra limpa
Plantava arroz e feijão
E lá mesmo no serviço
Soltava a imaginação

E ficava a sonhar
Contemplando a natureza
Tinha vontade de poder
Descrever tanta beleza

Mas sua alma de poeta
tinha sede de saber
No livro da natureza
Ela tentava aprender

Sua poesia estropiada
Assim mesmo ela escrevia
E tirava lá do íntimo
Tudo aquilo que sentia

Mas como toda garota
Gostava de baile e festa
Das noites de São João
De cantos e serestas

Ela sempre punha em versos
As festas de casamento
Com uma grande picardia
Qualquer acontecimento

E Isabel vivia feliz
Levando a vida pra frente
Até que a mãe lhe arrumou
Para ela um pretendente

Mas a moça não gostava
Daquele noivo arranjado
E pensava: Talvez eu goste
Depois de estarmos casados

Mas de repente chegou
Um rapaz lá da Bahia
E ela se apaixonou
Vejam só, que ironia

O rapaz era sobrinho
Do padrasto que a criou
E ela, apaixonada
Seu noivado terminou

Aí, o pobre do noivo
Muito triste ele ficou
Com menos de uma semana
Pra Minas ele viajou

Mas a mãe desse baiano
Era um tanto severa
Considerava o amor deles
Como uma tola quimera

O padrasto não sabia
Daquela terna paixão
Pois, na certa, se soubesse
Virava num furacão

E o Silvio foi trabalhar
Nas indústrias de papel
E por lá namorou outras
Traindo a pobre Isabel

Mas, mesmo apesar de tudo
Do rapaz não se esquecia
Mesmo namorando outro
Por ele é que ela sofria

E assim passaram seis anos
De sofrimento e de dor
Mas no coração da moça
Reinava aquele amor

E a mãe dele morreu
Ele começou a pensar
Em pedir a mão da Isabel
E com ela se casar

O pai de Silvio levou
Uma carta pra Isabel
Te mandaram uma carta
E ela abriu o papel

E na carta ele pedia
A moça em casamento
Ela ficou tão feliz
Foi grande o contentamento

O tio dele sempre fazia
Fogueira de São João
Silvio disse: Hoje eu peço
Pro meu tio a tua mão

O tio ficou muito bravo
Mas logo se acalmou
E para o mês de Novembro
O casamento marcou

No dia do casamento
Que se deu em Harmonia
Fizeram uma festinha
Foi grande a alegria

Silvio sempre lhe dizia
Antes de se casar
Que então ela poderia
Começar a estudar

Mas que grande ilusão
Como ela estava enganada
Não poderia estudar
Pois ela vivia trancada

Quando saia com ela
Tinha que andar na reta
Se olhasse para os lados
Levava uma indireta

Esse ciúme sem motivo
Trazia muita amargura
Nada fazia de mal
Não era uma perjura

Mesmo assim, ela o amava
Apesar de tudo isto
Ela rezava e dizia:
Mais do que eu sofreu Cristo

E aí chegarm os filhos
Ela teve que trocar
Seu sonho por mamadeiras
E por fraldas para lavar

Foram dez filhos ao todo
Que ela teve que cuidar
Seu sonho desvaneceu
Pois tinha que trabalhar

Eles se mudaram pro sítio
Onde ela passou a infância
E foi ali que nasceram
Quase todas as crianças

E foi aí nesta casa
Passaram um tempo duro
Trabalhar de sol a sol
Pra garantir o futuro

Ela voltou a viver
A sua vida na roça
Trabalhando no rocio
Dormindo numa palhoça

Quando voltava pra casa
Junto com o seu marido
Ia contente abraçar
Os seus filhinhos queridos

Quando os filhos mais velhos
Precisavam estudar
Venderam o sítio e vieram
Pra Telêmaco morar

E aí todos cresceram
Quase todos se casando
E o Silvio continuou
Na fábrica trabalhando

E a pobre da Isabel
Deixou de ser sonhadora
Trocou por mãe e esposa
O sonho de ser escritora

Mas depois de trinta anos
Ela resolve escrever
Por sugestão de seu filho
Que deu esse parecer

Minha mãe: disse Alexandre
Eu sei que a senhora escreve
Componha suas poesias
Acho que a senhora deve

Ela disse: Já estou velha
Não tenho inspiração
Ele disse: Pois escreva
O que sai do coração

E ela se concentrou
Tirou de dentro do peito
O seu amor, suas ideias
E seus versos imperfeitos.

FIM

Isabel Camargo Pontes (in memoriam)

sábado, 12 de maio de 2018

Poema para recordar

São folhas de Outono
Soltas pelo chão
Um amor passageiro
Chuvas de verão
Fiapos de nuvens
No ar rarefeito
Gotas de tristeza
De um sonho desfeito

Dor de uma saudade
Acordes em surdina
Liras prateadas
Música divina
Fontes de cristais
Esmeralda liquefeita
Ternura de beijos
Sonho que deleita

Um buquê de rosas
Me trás à lembrança
O tempo de folguedos
Tempo de criança
Sol que queima o rosto
Corrida pelos campos
Ao cair da noite
A luz dos pirilampos

Isabel Camargo Pontes (in memoriam)

quinta-feira, 26 de março de 2009

Saudade


Noite de luar, quanta saudade
Eu lembro, feliz, a noite encantada
Que você me abraçava com ternura
Que eu dei amor e me senti amada

Com o coração a bater descompassado
No peito ardente, cheio de amor
Quando me beijava, apaixonado
Num êxtase que eleva, num crescente ardor

Tua boca linda a murmurar baixinho
Palavras ternas de suave encanto
Que sutilmente soavam em minh'alma
Como canções leves, de doce acalanto

Nesta noite de luz e de fulgores
Que do amor, senti todo o prazer
Ao bem dizer, de toda essa verdade
Foi aí, então, que comecei a viver.

Se...


Se as estrelas fossem azuis
E o céu esverdeado
Se as flores fossem verdes
E as borboletas cor-de-rosa
Se o mar fosse vermelho
E os peixes voassem
Se os rios corressem ao contrário
E as samambaias fossem lilases
Se o sol fosse prateado
E a lua amarela ou azulada
Se tudo isso fosse verdade
E se tudo isso acontecesse
Eu creria, também, no teu amor.

Desabafo


Quero abrir o peito inteiramente
E arrancar de lá o amor vivido
Todos os sonhos e doces lembranças
E a dor crescente de um viver sofrido

E desandar do peito essa saudade
E o fantasma de um sonho perdido
E todo amor que, outrora sufocado
Vem de encontro a um coração ferido

E as vezes feéricas de ilusões que voltam
Num rodopiar de valsas inusitadas
Como um raiar de aurora multicor
Num salão antigo, de coisas passadas

Num revolver de sonhos esquecidos
Que de repente vêm aos borbotões
E se entrechocam com paixões contidas
E nos assolam, assim, os corações

Essa poesia é um desabafo amargo
De alguém que amou profunda e loucamente
Mas veio, um dia, o vendaval da vida
E a destroçou feroz e cruelmente.